Em “Manuscrito encontrado numa
garrafa” o narrador relata sua estranha experiência nos mares do sul. Em
determinado momento do percurso de uma viagem, o personagem percebe que as
condições do tempo e do mar começam a mudar, e passa a temer pelo que está por
vir. A tripulação não dá ouvidos aos avisos que ele dá dos perigos iminentes.
Algum tempo depois, enquanto todos
estavam pondo-se a dormir, grandes ondas que se formaram no alto-mar atingem o
navio que é totalmente invadido pelas águas. Restam, então, somente dois
sobreviventes que navegam por vários dias com a embarcação avariada: o narrador
e um velho sueco.
Suponho que estamos condenados a vagar sobre a orla da eternidade, sem nunca dar o mergulho final no abismo. As águas são como demônios das profundezas. Limitam-se à ameaça, para castigar, mas são incapazes de destruir. É como se o navio estivesse dentro de misteriosa corrente ou ressaca impetuosa.
O navio é levado mais ainda ao
sul e uma seqüência de grandes ondas e tempestades faz com que outro navio se
coque com o deles. Somente o narrador sobrevive e passa secretamente ao barco
desconhecido. Ele permanece escondido durante muito tempo, mas acaba por
perceber que não precisa se esquivar dos tripulantes, pois, como fantasmas d
eoutro tempo, não percebem a presença do intruso, que com eles não tem como
interagir e limita-se a registrar em seu diário sua perplexidade, suas
experiências e mais um abismo, agora de gelo, em que o navio misterioso
sucumbirá.
O navio, não resta dúvida, deve ter vindo do passado. E imbuídas do espirito do passado estão todas as coisas nele encerradas. Os tripulantes são como fantasmas de séculos sepultos e deslizam para la e para cá com uma estranha expressão no olhar
No conto não há um evento único,
cristalizador da história, mas uma sucessão de furacões e redemoinhos, o que
fragmenta um pouco a narrativa e mina a própria credulidade do leitor, posta à
prova a cada nova peripécia. Mistura-se o “sobrenatural” da natureza (os
furacões, os redemoinhos, o pólo sul navegável) com o “sobrenatural” do homem
(a sobrevivência do narrador, mesmo em meio aos problemas encontrados em
alto-mar; e a tripulação fantasma) e o que se tem é um acúmulo de mistérios sem
respostas, num conto que é, sobretudo, uma coleção de perguntas. Perguntas que,
como todas as hipérboles de Poe, e apesar do charme das suas histórias, são
sempre feitas com pontos de exclamação.
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